25 março 2016

No Pain, No Gain?

Dúvida recorrente de quem treina: “A dor muscular com que fico nos dias seguintes depois de treinar é sinónimo de um bom treino? ”.
O que é esta dor muscular?
Delayed onset muscular soreness (DOMS), é o termo utilizado para descrever a distinta dor e rigidez muscular que experienciamos após atividades físicas intensas ou às quais não estamos acostumados. Este fenómeno desenvolve-se 12 a 24 horas após a atividade física mas produz um pico de dor entre 24 a 72 horas depois da atividade que a provocou. Em seguida, a dor diminui e desaparece entre 3 a 7 dias após o exercício.
Existem inúmeras características de DOMS para além da dor muscular localizada. Alguns destes sintomas incluem:
  • Inchaço dos membros afetados;
  • Rigidez articular acompanhada por uma redução temporária da amplitude de movimento;
  • Sensibilidade ao toque;
  • Redução temporária de força da musculatura afetada;
  • Em casos mais raros e severos, degradação muscular ao ponto de colocar os rins em risco (Rabdomiólise);
  • Elevados níveis da enzima creatina quinase (CK) no sangue, assinalando dano no tecido muscular.

O que causa o DOMS?
A ciência médica ainda pouco pode explicar o DOMS, mas a maioria das pessoas acredita que esta dor desenvolve-se como resultado de destruição microscópica das fibras musculares envolvidas na atividade. Estes microtraumas são resultado provável de stress mecânico inédito ou pouco familiar para as estruturas musculares afetadas. O DOMS é um efeito secundário do processo de regeneração, adaptação e remodelação que se desenvolve em resposta às lesões microscópicas no músculo. No entanto, há igualmente crescente evidência que sugere que radicais livres resultantes de stress metabólico estão provavelmente envolvidos no processo de DOMS criando um cocktail ideal para o aparecimento da dor muscular, bem como um mecanismo neurológico que “espalha” o DOMS até para estruturas musculares não exercitadas por via do sistema nervoso central.
Um dos mitos sobre este fenómeno é que se deve a acumulação de ácido láctico dado que a sua concentração aumenta com exercício físico vigoroso, no entanto, não é uma componente deste sistema pois as suas concentrações diminuem para níveis normais cerca de uma hora após o treino enquanto que o DOMS prolonga-se por muito mais tempo. 
As atividades que causam mais DOMS provocam um alongamento muscular enquanto tensão é aplicada nessa mesma estrutura. A esta fase dá-se o nome de contração muscular excêntrica (exemplo: no exercício de bícep curl o momento de controlar a descida do halter ou o alongamento do quadricípete na descida de escadas).

Existe forma de prevenir ou curar o DOMS?
Dado que existe pouca evidência e consensualidade para compreender o que causa o DOMS, não é de admirar que ainda não exista uma cura que nos ajude a prevenir de forma efetiva os seus sintomas. Crioterapia (terapia com frio), alongamento, homeopatia (terapia alternativa), ultrassom e estimulação nervosa elétrica não demonstraram qualquer efeito sobre o alívio da dor muscular ou sobre qualquer outro sintoma.
Existem fatores que parecem influenciar o nível dos sintomas do DOMS tais como: os hábitos alimentares, a hidratação, a condição física e distúrbios do sono. Qualquer pessoa é suscetível à dor muscular, incluindo aqueles que se exercitam há anos se treinarem mais arduamente que o habitual ou se alterarem suficientemente a sua rotina de treino. No entanto, a intensidade da dor normalmente torna-se menor à medida que o seu corpo se adapta para realizar o movimento ou exercício regularmente. Portanto, uma das melhores formas de reduzir a severidade desses sintomas é progredir gradualmente num novo plano de treino. Precisamos de dar tempo às fibras musculares para se adaptarem e recuperarem do estímulo, mas é improvável que a dor muscular possa ser de todo evitada quando iniciar um novo ciclo de treino.

O DOMS ajuda-me a ter mais ganhos musculares?
Para responder a esta pergunta e à dúvida colocada no início deste artigo: não, a dor muscular não é necessariamente um bom indicador de um bom treino e não necessita estar sempre presente para alcançarmos ganhos de aptidão física. Não precisamos de “perseguir” o DOMS para ter ganhos pois a sua existência não implica necessariamente aumento da massa muscular. Pessoas que têm menos DOMS devido a uma regularidade maior de treino, geralmente têm maiores ganhos físicos do que aqueles que “destroem” os seus músculos uma vez por semana (potencialmente causando mais catabolismo do que remodelação muscular) e que depois experienciam altos níveis de DOMS. Aliás, dor severa pode ser um sinal indicador de uma necessidade de reduzir ou evitar certa atividade. Dor que ocorre durante o exercício (ou seja, dor aguda) é sinal que existe um problema com o exercício (exageradamente intenso, executado de forma incorreta, etc.) e deve ser interrompido antes que ocorra uma lesão grave muscular ou articular.

Conclusão
Qualquer pessoa por muito pouco que compreenda o corpo humano consegue dar um “enxerto de pancada” a outra pessoa durante um treino e facilmente provoca DOMS ao ponto de torná-la um membro pouco produtivo da sociedade durante vários dias, especialmente se quem estiver a treinar não estiver habituado às cargas ou aos exercícios do treino. No entanto, se o seu objetivo com o treino for progresso (seja em que vertente for: perder massa gorda, aumentar a massa muscular, etc.), então há a necessidade de existir uma programação com princípio, meio e fim do seu treino de forma a permitir a evolução desejada. Seja num plano de treino, seja numa sessão de treino personalizado, seja numa aula de grupo, certifique-se que está a ser acompanhada por profissionais qualificados que a ajudam a alcançar os seus objetivos de treino e não apenas que a colocam exausta e dorida durante uma semana e possivelmente lesionada a curto-médio prazo.

Exercite-se mas com critério e qualidade! No pain, yes gain!

David Pimenta
Coordenador de Sala de Exercício 
Personal Trainer

Referências:
AYLES, Simon e GRAVEN-NIELSEN, Thomas e GIBSON, William. Vibration-induced afferent activity augments delayed onset muscle allodynia. The Journal of Pain, Agosto 2011, vol. 12, nº 8, p. 884-891.
CHEUNG, Karoline e HUME, Patria A. e MAXWELL, Linda. Delayed onset muscle soreness: treatment strategies and performance factors. Sports Medicine, Fevereiro 2003, vol. 33, nº 2, p. 145-164.
DEHYLE, Michael R. et al. Skeletal muscle inflammation following repeated bouts of lengthening contractions in humans. Frontiers in Physiology, Janeiro 2016, vol. 6:424. Disponível em: doi: 10.3389/fphys.2015.00424.
POLLAK, Kelly A. et al. Exogenously applied muscle metabolites synergistically evoke sensations of muscle fatigue and pain in human subjects. Experimental Physiology, Fevereiro 2014, vol. 99, nº2, p. 368-380.
PYNE, David B. Exercise-induced muscle damage and inflammation: a review. Australian Journal of Science & Medicine in Sport, Setembro-Dezembro 1994, vol. 26, nº 3-4, p. 49-58.

SEMARK, Andrew et al. The effect of a prophylactic dose of flurbiprofen on muscle soreness and sprinting performance in trained subjects. Journal of Sports Sciences, Março 1999, vol. 17, nº 3, p. 197-203.

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